fulvio faria

Palavra do Dia por Priberam

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Reação do mundo sobre nós mesmos: a invisibilidade

Nosso corpo nem sempre é aquilo que a gente projeta sobre nós mesmos quando olhamos a nós mesmos no espelho, quando tiramos uma foto.

O mundo que nos vê e reage sobre nós é a linguagem que ele dá ao nosso corpo, à nossa expressão corporal. Nem sempre esse modo de o mundo nos ver é igual àquela que nós projetamos sobre nós mesmos. Digo mais. O como o mundo nos vê está muito distante daquilo que projetamos.

Essa falta de correlação entre o que projetamos sobre nós mesmos e o modo que de fato o mundo a nossa volta nos vê causa estranhezas de todas as ordens quando tomamos de fato consciência sobre essa distância, porém traz clareza sobre traumas mal compreendidos ou mal resolvidos.

Daí é preciso compreender a nossa referência de si mesmo a partir do mundo que nos enxerga e não daquilo que a gente projeta de si de forma isolada.

Na verdade, é fazer se compreender projetando-se a si mesmo a partir do mundo e não a partir daquilo que a gente quer ser.

Eis aqui a raiz dos grandes traumas que talvez sintamos dia a dia: pensar ser alguma coisa e o mundo nos entender e reagir sobre nós de outra forma.

Com o tempo percebi essa distância entre a projeção de mim sobre o mundo e o que o mundo pensa e me vê como eu mesmo.

Percebi que a projeção de mim mesmo era de um anjo intocável focado no belo desejado. Mas percebi com o tempo que o mundo, principalmente por conta da idade, não pensa, não reage sobre mim dessa forma, sequer me vê dessa forma.

Quando se percebe essa falta de correlação há um choque de realidade. Nessas condições ou se entra em trauma se enlouquecendo, se adoecendo ou se encontra saídas e soluções.

A solução talvez esteja em fazer essa projeção reagir como o mundo reage sobre você, claro de um modo especial e particular.

Nesse meu caso particular, o mundo não me observa, nesse caso particular o mundo me vê como invisível. No começo é assustador pensar e saber que é invisível aos outros, pensar e saber que os outros não tomam você com atenção. Mas depois de um tempo buscando esse objetivo de tomar a projeção de si mesmo como a mesma forma que o mundo te vê, ou seja, um mundo te vendo como invisível, automaticamente você começa a compreender que você é invisível, entender que sua imbricação com o mundo é ser a própria invisibilidade.

Claro aqui não trato das reações do mundo que são virulentas fisicamente. Pois aqui, a saída e solução seriam o ser se afastar desse ambiente ou se rebelar fisicamente a ele. Estou aqui em nível de projeção sobre aspectos psicológicos, que se mesmo após essas situações a solução continuar ainda traumática, a melhor solução é se afastar do ambiente nocivo e buscar medidas outras.

Agora, voltando a este meu caso particular, transformando essa nova percepção com o mundo em energia positiva, em algo bom para você mesmo, você compreende que ser invisível é talvez a maior das artes.

Ser invisível é poder estar em todos os lugares sem ser julgado, é poder estar em todos os lugares sem ser tocado, é poder estar livre, livre para circular. Claro que eventualmente somos julgados nos ambientes que estamos. Porém, se sentir invisível tira o peso do julgamento que eventualmente existirá.

No fim das contas, esse é um dom que o mundo me deu. Hoje não vejo como rejeição. Não vejo como falta de afeto. Vejo como uma naturalidade daquele ser que circula e não é ameaçado, que circula e não é desejado. Mas essa rejeição, essa falta de apego a este indivíduo gera uma força sobre o mundo por poder este individuo estar sobre, entre ele e estar nele livremente e sem embaraço.

Isso é tremendamente libertador, isso dá liberdade, isso talvez seja a liberdade. Já diria Victor Hugo: estar abandonado é estar livre. Saber lidar com o abandono é um desafio, mas depois que você descobre a importância de estar abandonado essa rejeição muda seu caráter de algo traumático para algo benéfico.

Minhas últimas sínteses têm sido: esteja abandonado (mesmo que por força maior) e esteja livre!

domingo, 3 de maio de 2020

"Muita vez, a causa principal da pobreza, em ciência, é a riqueza presumida. A finalidade da ciência não é abrir a porta ao saber infinito. Mas colocar um limite à infinitude de erros. Tomem as suas notas." A vida de Galileu, de Bertolt Brecht

Em tempos em que ciência deve coordenar as ações políticas, vários políticos tomam para si uma riqueza presumida de saber como se dará ou não determinada medida. Nada mais fazem do que pobreza em ciência (ou melhor, não ciência).

A ciência que aponta hoje é a riqueza de saberes de vários anos, décadas, centenas de anos. É a que tem métodos antigos e muitos testados para as séries históricas e dados testáveis para os tempos de hoje.

Por outro lado, apostar na presunção de uma fátua experiência individual de vida que não passa de três a seis décadas de experiências, e de que, a partir delas, se sabe conduzir, é nada mais que riqueza presumida, como bem desenhou Brecht, nada mais é que arrogância das mais pueris.

Eu, nessa história toda, fico com a ciência de Galileu, fico com a ciência de Brecht, fico com os cientistas de hoje que não fazem de suas ciências apenas um apanágio de riqueza presumida, de uma arrogância pessoal.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

No mundo que vivo ninguém quer saber o que tenho a dizer. Então, aprendi a não falar. Reverter tudo pra minha imaginação é o que se deu para fazer. Ainda bem que este campo é infinito. Mas para ser fértil é preciso estar longe do mundo externo que não quer ouvir o meu dizer, pois o que vem de fora atinge o que vem de dentro. Daí não viver, ou viver cada vez menos, socialmente é o caminho que irriga o solo da minha imaginação. Tenho feito, e digo que viver assim traz mais conforto.

domingo, 22 de abril de 2018

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As coisas são mais belas distantes. Quanto mais próximo estamos delas, mais aumenta o desafio por mantê-las ainda belas. Até que de uma admiração e contemplação passa-se a um estágio de repulsa, de hostilização, de um caça aos erros e falhas. Mais anos vão, mais anos vêm, e percebo cada vez mais que esta síntese se aplica a quase todas as relações humanas, sejam elas entre humanos e objetos ou entre humanos e humanos. Daí é fácil apreciarmos ídolos musicais, pois que distantes estão. Daí que hostilizamos aqueles que estão próximos, pois mais fácil identificar seus erros e falhas. A solução seria fácil: compreender sempre as coisas e as pessoas até o limiar da porta de seus universos, sempre à distância, nunca mergulhar em seus mundos ou perscrutar seus detalhes. Do meu lado, fui para outra solução, tenho sido míope quando mais próximo estou, diminuindo o rigor da minha moralidade.
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domingo, 15 de abril de 2018

Não conviver socialmente. É o manifesto da minha dor.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Um carro fiat uno passou acelerado pela rua!

Um carro fiat uno passou acelerado pela rua!

São pessoas querendo partir o mundo. Pegando-lhe a maior parte sempre quando possível. Mal surte a pequena felicidade e a querem. Mas quando vão ao encontro dela para possui-la caem num estrondoso tédio. Como são infelizes. Realmente o são por falta de qualificação. Em que tempo já se percebeu que todos que se dizem homens já conseguiram a felicidade plena livre de sofrimentos? Em tempo nenhum. Dizem que está tudo certo e tudo bem, mas sabemos que não é assim. Repelem-nos quando dizemos verdades, pois inconscientemente dizemos: não há esperança. E muitos não querem crer em tal negação.

Esperança é esperar, esperar algo, que está no futuro. Ora, quem vive de esperança não vive e sim se ausenta ao seu tempo a espera de um melhor. Mas veja, um douto me disse que o tempo em-si não existe, o que existe é o movimento, e o movimento só é perceptível ao agora, ao presente; ao passado só é possível representar, como um belo casal que reproduz Romeu e Julieta, não o reproduzem na perfeição em que se criou. E o futuro? Pobre coitado, nem foi movimentado, vive de especulações.

Disseram-me que não estou bem, que minhas férias me fizeram mal. Se isto ocorreu, não sei. Mas sei que ela me fez desvalorizar mais a pobreza eterna do homem: a ignorância petrificada. Esta que vem com os homens e dele não sai por vontade do próprio homem. Como seriam tristes se soubessem da verdade. *[Mas qual verdade?]

Escrito em meados de 06/08/2009

* post scriptum na data dessa publicação

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

UMA IDEIA FIXA NUMA COLAGEM

UMA IDEIA FIXA NUMA COLAGEM

Fui convidado pelo Movimento Laranja para participar da Collage Coletiva. Conferi o conteúdo da proposta, conferi seus trabalhos e achei bem interessante participar desse momento, ainda mais que estou numa fase da vida de muita introspecção. E, também, porque os trabalhos de colagem sempre foram para mim como são os samples na música eletrônica.

Na sexta-feira, preparei alguns materiais para levar, tinha algumas revistas da OAB que não usava e algumas delas sequer lido qualquer página, tinha uns jornais de grupos universitários das instituições que visito. Tinha algumas edições do Le Monde Diplomatique. Levei também alguns materiais para doação ao movimento da época que coordenava projetos sociais, como tesouras e giz de cera.

Cheguei no sábado já bem ameno depois de uma correria que foi a parte da minha manhã, já que eu precisava comprar um celular novo por conta do que tinha quebrado na sexta-feira a noite e ainda arrumar a fechadura da porta de casa. Superado isso tudo na parte da manhã, estava eu na casa 282.

Quando cheguei já fazia alguns minutos que tinha começado a aula de yoga. Então, por respeito aos que lá estavam e já tinham chegado, preferi aguardar na garagem. Além que espiritualmente estava bem agitado para arriscar a imersão no yoga. Por um lado, essa espera foi boa pois que apareceram duas amigas com as quais proseei e fui entrando numa calmaria necessária para o ócio criativo que se avizinhava.

Acabado a aula de yoga, vocês nos convocaram para o início das atividades. E eu já estava certo que queria, eu, entrar numa imersão de samplear, digo, fazer colagens. Você fez as orientações, mostrou alguns trampos interessantíssimos, e depois todos mãos à obra.

Como eu disse, estava disposto a entrar na imersão da arte. Foi então que peguei algumas revistas sobre a mesa e comecei a folhear e capturar fragmentos que podiam me levar a alguma construção de sentido ou narrativa. Foi assim com a primeira revista que quase deu todo o banco de imagens necessários para eu fazer a minha colagem, e já dar ideias de uma possível narrativa a ser construída. Depois folheei outros jornais para coletar outros fragmentos que pudessem colaborar com a narrativa que se estava por construir.

Coletada as imagens, precisava eu tratá-las, melhor, recortá-las dentro daquilo que podia surgir. Foi quando sentei num canto da sala e comecei a fazer este processo que era ao mesmo tempo de recorte, de imersão, de reflexão, e de composição. Como se a colagem, percepção e memória fossem um só, mesmo parte desses elementos estando fora de mim, foro do sujeito.

Fui construindo a colagem. A narrativa inicial era uma, e na medida em que ia formando os quadros possíveis, a narrativa ia ganhando outro sentido, até que ao final precisei coletar mais fragmentos para completar a narrativa final que com relação à primeira ideia guardava pouco sentido.

No final conclui uma imagem, esta:


Que me deu uma série de reflexões.

Depois da conclusão, foi quando fui tomar um café e nos encontramos.

As minhas reflexões sobre a obra e seu processo, digo colagem, eram, como eu tinha te relatado, como ela me levou a uma imersão na construção. De como essa imersão permitiu uma coisa que me incomodou com a obra, qual seja: como ela reflete o momento em que estamos vivendo. Por isso eu reforcei a ideia de sample, porque era a mesma sensação quando faço isso com música. Explico-me.

O que percebi naquele momento é que o processo de coleta de imagens é totalmente influenciado pela nossa história, momento que estamos vivendo, ou pelo que chamo as vezes de ideia fixa a que estamos no momento. E no final eu vejo que uma ideia fixa que está me permeando nos últimos meses sai na obra final, embora a narrativa/proposta inicial guardava com ela pouca relação. Por isso menciono que, na imersão, é como se os fragmentos de imagem e a percepção do indivíduo (no caso, eu) fizessem parte de um ser só, ou seja, era como se os fragmentos de imagem estivessem na composição das minhas memórias e imaginação, e estas são sempre afetadas por aquilo que estamos sentindo em determinada época. E, o que mais me incomodou foi como, com os fragmentos coletados, consegui dar sentido ao final a uma narrativa da ideia fixa que vem me permeando nos últimos meses.

Usamos óculos para ampliar nosso campo de visão, ver mais e melhor. Usamos bicicletas, automóveis e etc. para andarmos mais, podermos nos locomover mais. Usamos caixas acústicas, microfones com caixas de som, para podermos amplificar e aumentar mais nossa voz. Usamos vários instrumentos para aumentar nossa percepção. E na colagem, principalmente naquele relato que te fiz, tive a impressão de ter ampliado o sentido da minha expressão, das minhas ideias. Para se expressar uma ideia na escrita é necessária muita experiência de vida, bastante vocabulário e etc. E sem dúvida aquilo que expressamos reflete muito aquilo que vivemos, salvo se estivermos muito propensos a aleatoriedade, o que não foi o caso comigo. E posso dizer: as imagens coletadas eram meu vocabulário naquele momento, eram o meu modo de expressar minha ideia fixa.

escrito em 18/07/2017 por Fulvio Machado Faria endereçado a N.A.

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