Palavra do Dia por Priberam

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

trechos de uma leitura (2)

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Um viva ao camponês, ao proprietário estabelecido, fiel e virtuoso! Sei amá-lo, respeitá-lo, só não consigo invejá-lo. A metade de minha vida já desperdicei, querendo imitar suas virtudes, queria ser o que não era. Pensava ser um poeta, mas era ao mesmo tempo um burguês, queria ser um artista cheio de fantasias e ao mesmo tempo ter virtudes e desfrutar o pátrio. Precisei de muito tempo ate descobrir que e impossível possuir ambos, que eu sou um nômade e nenhum camponês, que procuro, mas não conservo. Durante longo tempo me mortifiquei perante deuses e leis que para mim nada mais eram do que ídolos. Com esse meu engano, meu sofrimento, minha culpa, colaborei na miséria do mundo. Usando dessa autoviolência para consigo mesmo, não me arriscando em seguir o caminho da redenção, aumentei a culpa e o sofrimento no mundo. Esse caminho não segue nem para a direita, nem para a esquerda, leva ao próprio coração onde, e só lá, está Deus e existe paz.
... ... ...
De repente vejo tudo claramente. Bela, alegre e loura dama! Já não sei como te chamas, te amei durante uma hora e hoje, aqui nessa ruela ensolarada e aldeia, te amo, novamente, durante uma hora. Ninguém nunca te amou mais do que eu, nunca ninguém se entregou tanto para ti como eu, mas eu estou condenado á infidelidade, pertenço aos sonhos que não são amados por uma mulher, senão pelo próprio amor.
Nós, andarilhos, somos todos feitos assim. Nossa ânsia de peregrinar, de vagabundear se constitui na maior parte de amor e erotismo. A metade desse romantismo não é nada mais do que a esperança por uma aventura. A outra metade, porem, é um instinto inconsciente em transformar e aniquilar o erótico. Nós, os peregrinos, já estamos acostumados em acalentar amores impossíveis por serem impossíveis, e aquele amor que deveria pertencer a uma mulher facilmente dividimos entre a aldeia e a montanha, o lago e o precipício, as crianças pelo caminho, o mendigo na ponte, o gado no pasto, o pássaro e a borboleta. Nós separamos o amor da matéria amada, o amor em si nos satisfaz da mesma forma como não buscamos no caminhar a meta, senão só o próprio prazer do caminhar, de estar a caminho.
Jovem dama com o rosto cheio de frescor. Eu não quero saber teu nome, não penso em alimentar nem acalentar meu amor por ti, pois não és a meta do meu amor, senão seu impulso. Darei esse amor de presente às flores do caminho, ao reflexo do sol no copo de vinho, à redonda e vermelha torre da igreja. És tu que fazes com que me apaixone pelo mundo.

Fulvio Machado Faria

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