Palavra do Dia por Priberam

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Eram sete e quinze da manhã. Passava na rua, sem nome a ela dar. De tantas coisas ela tinha, que qualquer imaginação se invejaria da sua fortuna. Trago aqui a história de um desconhecido.

Morava o sujeito numa garagem sentado numa cadeira-de-rodas. Por todos os dias eu passava na frente da sua garagem e lá estava o homem prostrado no seu apoio.

Desconhecia o homem e a causa do seu sentar. Sempre me perguntava: O que teria em suas pernas? Um acidente? Uma doença? Ou patologia? Mas, apenas via no seu semblante uma espera. A espera por algo.

Eu o notava e, no princípio dos nossos encontros de transeunte, ele não me notava. Com o tempo ele começou a perceber minha existência. Havia entre nós aquela cumplicidade mundana, de que nos reconhecemos como seres. Sentia que, quando o notava, ele se sentia tímido ou intimidado por sua deficiência. Parecia que ele queria mostrar ao mundo sua deficiência e ao mesmo tempo se esconder dele.

Morava numa garagem, com uma cama, um fogão e um pequeno armário para suas coisas. Devia tomar banho na casa da garagem, que tudo indicava ser de algum parente.
Eu não entendia por que lá vivia e desconhecia tudo sobre eles. Até que um dia vejo o homem, que sempre estava sobre a cadeira-de-rodas, andando; e noutro dia nunca mais o vi naquele lugar, nem suas coisas.

Continuei passando por mais anos naquela rua, e sempre que passava na frente daquela garagem lembrava do senhor sentado na naquela cadeira-de-rodas e do seu olhar intimidado ao me ver passar, e me pergunto até hoje do seu paradeiro.

Fulvio Machado Faria

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