Palavra do Dia por Priberam

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Ao juiz ficou clara a inocência do acusado

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Ao juiz ficou clara a inocência do acusado. Mesmo assim parecia aquilo tudo lhes divertir. À promotora, esse palco parecia enaltecer ainda mais seu ego e sua vaidade, mesmo diante de patente inocência do réu. Insistiu ela, como se diz no velho ditado, em tirar pelo de ovo. A improcedência da ação penal era clara. O réu era inocente. Então, o excelentíssimo pediu aos patronos e ao réu oprimido por um sistema estranho para que aguardassem do lado de fora. Para a surpresa do patrono, encontra logo na saída da sala de audiência um grande amigo que lá aguardava ser apregoado para resolver sua lide. Este amigo do patrono é personagem de história. Negro nos anos setenta e oitenta de São Paulo, da periferia. Fez revolução. Foi carcereiro do Carandiru. Foi do black panther de São Paulo, movimento negro da época. É comunista e militante de um partido comunista. Veio para as minas gerais. Concursou-se no estado como oficial de justiça. Entrou para o Sindicato. Foi um grande militante. E muitos outros grandes feitos circundam a vida deste homem que tem uma aparência magra e um traquejo retorcido no movimento do corpo por aparentar problemas sérios no sistema nervoso central. O patrono o cumprimentou e questionou o motivo da sua lide. O amigo disse que decorria de um descuido de família. O patrono replicou: problema de família em juízo penal? O amigo respondeu: pois é, meus filhos tentaram me internar. Não aceitei. Não sou louco. Fugi, então, da clínica que me internaram e registrei Boletim de Ocorrência contra eles. Mas, hoje já está tudo certo em casa. O patrono simplesmente olhou para os réus, filhos do amigo, em tom de repreensão e tentou imaginar nos seus desígnios e entendimentos de vida o porquê da forca tarefa dos filhos do amigo. Afinal para ele, patrono, o amigo representa muito para o mundo, representa a luta de muitos que no caminho já se foram. É a peça mortal de uma luta que gerações enfrentaram. E para os filhos: o pai louco. Um chamado interrompe esta ocasião. Era a escrivã pedindo para o patrono assinar a ata em que constava a sentença. O réu foi absolvido por se provar inocente. O patrono tinha na cabeça outra sentença: como o mundo trabalha e opera para coisas inúteis e se despende tempo por exatamente nada, numa mesma tarde um sistema tentando acusar um patente e claro inocente e apagar a história de um grande homem. Alguns dizem que isso tudo não faz sentido. Outros de que o mundo toca desse modo. O patrono tentou entender que para o mundo não importava quem era o quê e a utilidade ou não do tempo. Afinal, o mundo não tem destes juízos, pode-se ser grande homem como o amigo do patrono ou ser a vaidade do juiz e da promotora que da audiência fazem seu palco de diversão. Para o mundo estes caracteres não importam e nunca terão importância. Não saiu satisfeito com este entendimento. Como a vida continuava e outras demandas lhe aguardavam, ao fim, o patrono se despediu do amigo e estes pensamentos aqui escritos se desencadearam.
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Fulvio Machado Faria

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