Palavra do Dia por Priberam

domingo, 22 de março de 2015

Por que comercializar sementes transgênicas?


Na minha infância me encantava assoprar flor dente-de-leão. Suas sementes fluíam no vento que as levava para onde pudessem florescer. Hoje penso o trabalho da natureza para se chegar nesta perfeita multiplicação da vida. Quando criança, lembro-me de deliciar com laranjas e recolher suas sementes para tentar plantá-las. Como era feliz. Eram pequenas ações que me engrandeciam. Interagir com a natureza e somente com ela, em plena liberdade com ela.

Naquela época eu não tinha ideia do que era a ambição para se obter lucros e se enriquecer dos homens. De que existem pessoas que a qualquer custo querem se enriquecer. Nem que para isso seja necessário modificar vida. Principalmente as das plantas.

Hoje chocando estes pensamentos. Chego a algumas conclusões.

A propriedade intelectual, que de seu próprio nome já induz que um detentor de direito exclusivo de exploração, é o instituto jurídico que rege a proteção das expressões e ideias humanas. Por ele, p.ex., se protege a autoria de um livro e a invenção de um chip eletrônico. Ou seja, protege aquilo produzido pelos homens de natureza intangível, de que não se pode tocar fisicamente.

Dentro desse ramo desenrolam-se dois outros grandes ramos, o do direito autoral[1] e o da propriedade industrial[2]. O primeiro protege as expressões, livros, fonogramas e etc. O segundo protege os inventos com aplicação em escala industrial, p.ex., computadores, máquinas, canetas, utensílios e etc.

A propriedade industrial protege as ideias que se utilizam dos recursos da natureza que com a introdução da mão humana é capaz de tornar o novo objeto com alguma utilidade para os pares. Por exemplo, o ser humano intervindo na natureza colhendo uma pedra, um pedaço de madeira e uma corda pode produzir um martelo (invenção) que pode ter escala industrial e, portanto, ser patenteado e protegido pela lei de propriedade industrial. Sendo patenteado, aquele que inventou, somente ele, poderá explorar economicamente aquele invento. Se os outros quiserem usufruir da invenção terão de pagar os royalties. Por outro lado, nem tudo pode ser patenteado, por exemplo, o todo ou parte dos seres vivos[3].

Não esqueçamos. Os homens, na sua maioria, fazem de tudo para se enriquecer. Então, pensam onde podem fazer isso acontecer. E com este desiderato foram lá onde tudo emerge. O princípio dos seres. As sementes.

Como dito acima, aquilo que não houver intervenção humana não pode ser patenteado. Encontrar uma pedra no chão e querer patenteá-la não é possível.

Porém, nossa Lei, ouvindo o capital, permite àqueles que fazem intervenções na genética das sementes patentear o produto final, qual seja, as sementes transgênicas.

Se sobre uma semente de laranja natural encontrada em qualquer lugar não posso com ela ganhar dinheiro, senão pelo custo da sua produção; porque, então, não modificar sua genética, para que não só com o seu custo de produção eu ganhe dinheiro, como também ganhe com o direito de explorar exclusivamente a sua comercialização?

E assim um sistema todo fluído pela estrutura do capital, que literalmente visa tirar leite de pedra, como no caso das sementes transgênicas, começa a justificar o uso dos transgênicos, bancando pesquisas, mídias e agricultores para seu uso, associa outros produtos ao plantio da semente dos transgênicos e por ai vai.

O choque deste pensamento na minha cabeça me leva a muitas outras conclusões. A de que o capital se preocupando com o poder, pouco se importa com a vida. A de que quando o MST adentrou e nos livrou dos transgênicos de eucalipto não estavam quebrando e violando a propriedade alheia, eles estavam defendendo a vida, a vida em ação. Estão lutando. Estão lutando...

Estão lutando para que momentos como aqueles, quando passei como criança, não sejam privados. Estão lutando para que tudo que exista na natureza seja livre e não, com o tempo, seja só de alguns.

Então, por que comercializar sementes transgênicas?

Fulvio Machado Faria



[1]     No Brasil, Lei Nacional de n. 9.610 de 1998.
[2]     No Brasil, Lei Nacional de n. 9.279 de 1996.
[3]     Vide Art. 18, Lei 9.279/1996:
Art. 18. Não são patenteáveis: I - o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas; II - as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.

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