Na minha infância me encantava assoprar flor
dente-de-leão. Suas sementes fluíam no vento que as levava para onde pudessem
florescer. Hoje penso o trabalho da natureza para se chegar nesta perfeita
multiplicação da vida. Quando criança, lembro-me de deliciar com laranjas e
recolher suas sementes para tentar plantá-las. Como era feliz. Eram pequenas
ações que me engrandeciam. Interagir com a natureza e somente com ela, em plena
liberdade com ela.
Naquela época eu não tinha ideia do que era a
ambição para se obter lucros e se enriquecer dos homens. De que existem pessoas
que a qualquer custo querem se enriquecer. Nem que para isso seja necessário
modificar vida. Principalmente as das plantas.
Hoje chocando estes pensamentos. Chego a algumas
conclusões.
A propriedade intelectual, que de seu próprio nome
já induz que um detentor de direito exclusivo de exploração, é o instituto
jurídico que rege a proteção das expressões e ideias humanas. Por ele, p.ex.,
se protege a autoria de um livro e a invenção de um chip eletrônico. Ou seja,
protege aquilo produzido pelos homens de natureza intangível, de que não se
pode tocar fisicamente.
Dentro desse ramo desenrolam-se dois outros grandes
ramos, o do direito autoral[1] e
o da propriedade industrial[2]. O
primeiro protege as expressões, livros, fonogramas e etc. O segundo protege os
inventos com aplicação em escala industrial, p.ex., computadores, máquinas,
canetas, utensílios e etc.
A propriedade industrial protege as ideias que se
utilizam dos recursos da natureza que com a introdução da mão humana é capaz de
tornar o novo objeto com alguma utilidade para os pares. Por exemplo, o ser
humano intervindo na natureza colhendo uma pedra, um pedaço de madeira e uma
corda pode produzir um martelo (invenção) que pode ter escala industrial e,
portanto, ser patenteado e protegido pela lei de propriedade industrial. Sendo
patenteado, aquele que inventou, somente ele, poderá explorar economicamente
aquele invento. Se os outros quiserem usufruir da invenção terão de pagar os
royalties. Por outro lado, nem tudo pode ser patenteado, por exemplo, o todo ou
parte dos seres vivos[3].
Não esqueçamos. Os homens, na sua maioria, fazem de
tudo para se enriquecer. Então, pensam onde podem fazer isso acontecer. E com
este desiderato foram lá onde tudo emerge. O princípio dos seres. As sementes.
Como dito acima, aquilo que não houver intervenção
humana não pode ser patenteado. Encontrar uma pedra no chão e querer
patenteá-la não é possível.
Porém, nossa Lei, ouvindo o capital, permite àqueles
que fazem intervenções na genética das sementes patentear o produto final, qual
seja, as sementes transgênicas.
Se sobre uma semente de laranja natural encontrada
em qualquer lugar não posso com ela ganhar dinheiro, senão pelo custo da sua
produção; porque, então, não modificar sua genética, para que não só com o seu
custo de produção eu ganhe dinheiro, como também ganhe com o direito de
explorar exclusivamente a sua comercialização?
E assim um sistema todo fluído pela estrutura do
capital, que literalmente visa tirar leite de pedra, como no caso das sementes
transgênicas, começa a justificar o uso dos transgênicos, bancando pesquisas,
mídias e agricultores para seu uso, associa outros produtos ao plantio da
semente dos transgênicos e por ai vai.
O choque deste pensamento na minha cabeça me leva a
muitas outras conclusões. A de que o capital se preocupando com o poder, pouco
se importa com a vida. A de que quando o MST adentrou e nos livrou dos
transgênicos de eucalipto não estavam quebrando e violando a propriedade
alheia, eles estavam defendendo a vida, a vida em ação. Estão lutando. Estão
lutando...
Estão lutando para que momentos como aqueles, quando
passei como criança, não sejam privados. Estão lutando para que tudo que exista
na natureza seja livre e não, com o tempo, seja só de alguns.
Então, por que comercializar sementes transgênicas?
Fulvio Machado Faria
[1] No
Brasil, Lei Nacional de n. 9.610 de 1998.
[2] No
Brasil, Lei Nacional de n. 9.279 de 1996.
[3] Vide Art.
18, Lei 9.279/1996:
Art.
18. Não são patenteáveis: I - o que for contrário à moral, aos bons costumes e
à segurança, à ordem e à saúde públicas; II - as substâncias, matérias,
misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de
suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou
modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e III - o
todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que
atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva
e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.
Parágrafo
único. Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos,
exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante
intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica
normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.
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