Necessário, sim, é um ajuste fiscal. Mas desde
que seja um ajuste fiscal dentro de uma política âncora bem debatida e, vale
repetir, com a natureza de ajuste fiscal. O cenário que se apresenta com a PEC
241 é estranho, não tem cara de ajuste fiscal. Tem cara de um novo paradigma
constitucional – para o passado – com o qual não se debateu seriamente com a
sociedade. Tanto é que se ajuste fiscal fosse, porque estaríamos falando em
mudar a Constituição? E, não a Lei de Responsabilidade Fiscal, como iria fazer
Dilma? Ou, outros marcos infraconstitucionais para dar o ajuste? O que se quer
esconder afinal?
Até onde sei – e como muitos advogados gostam
das liminares garantindo os Direitos Universais da Constituição – para se fazer
valer um Direito e exercê-lo plenamente é necessário uma despesa pública para
que ele possa ser exercido – bem óbvio. Quantos pais demandam na Justiça pela
vaga de uma creche, óbvio que eu também faria, mas – pasmem – seu direito dado
na Justiça não cai do céu, alguém vai ter que custear essa creche. E quem
custeia é o Estado, afinal esse Direito Universal dado por nossa Constituição -
até que certas histerias não se tornem coletivas - são despesas pagas pelos
cofres públicos. Mas vamos lá. Hoje é uma realidade, você demanda com a ação e obtém
a vaga; porque as normas orçamentárias para o gestor permitem ele aumentar as
despesas para pagar as vagas na creche – não porque os astros assim quiseram –
me desculpem a ironia –; foi, vale repetir, porque em algum lugar do orçamento público
uma despesa foi aumentada para custear essa vaga. Essa é a realidade atual. Queria
eu que tudo que imaginasse pudesse se tornar realidade, mas, não: é necessário
recurso! [1]
Agora – em plena crise política – te dizem que
uma PEC que congela os gastos públicos não terá efeito sobre o exercício de
Direitos ditos universais na dita Constituição Cidadã. Até onde sei despachos de
juízes não constroem prédios e não fazem funcionar creches, o que faz estes
direitos existirem são, sim, recursos e despesas do Estado. O mundo é duro, mas,
é assim que as coisas funcionam. Com a PEC 241 quer se congelar gastos públicos
que, em diminuto, diminuem na mesma proporção os exercícios desses direitos tão
bem chorados nas liminares e que dizem até hoje serem universais. Fará sentido
maior, a partir de então, o argumento da Fazenda: estamos na “reserva do
possível”[2], já que orçamento não tenho e despesa não posso fazer. O que será
da Defensoria Pública e do Ministério Público? Ávidos por destacar suas
liminares que garantem no plano ideário um Direito. Mas do que adianta um
direito num despacho se não posso exercê-lo? Vão prender os prefeitos e
governadores? Por dizerem: “aqui passou uma PEC que virou Emenda à Constituição
e me proibiu de gastar”!?
Sejamos sinceros! Se queremos um Estado Social –
atual modelo posto, mesmo que capenga – o caminho ainda continua sendo a ampliação
dos gastos sociais – despesas primárias – pois serão elas que ainda darão condições
para o exercício dos ditos Direitos Universais. Políticas âncoras no sentido de
barrar a despesa primária, ainda mais com uma PEC que a congela por 20 anos, e –
pior ainda – os líderes defensores se aproveitando de uma conjuntura política muito
peculiar com quórum conjuntural para aprová-la sem qualquer debate sério com a
sociedade, isso não é ajuste fiscal – de caráter transitório –, é na verdade
uma virada constitucional sem legitimidade – num duro golpe – contra a
sociedade brasileira.
Com ela – a PEC – se coloca um novo paradigma, a
de um Estado preocupado com os rentistas, e proibido de dar os Direitos Universais
e Sociais de toda a sociedade, afinal é proibido gastar. Com esta PEC é a instauração
de um novo modelo de Estado – o tão sonhado caminho para o Estado Mínimo.
O “Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias”, texto normativo que tende a ser alterado pela PEC 241, eram disposições
tendentes a fazer acontecer positivamente o texto normativo-programático da Constituição
de 1988, a sua missão era ser transitório – norteador – para dar voz a uma Constituição que estabelecesse
um Estado Social forte. Com a PEC mudando o ADCT, o que se está fazendo é mudar
a direção do leme, levando o barco para rumos não almejados pela Constituição de
1988. Podem medidas transitórias quererem defender outro caminho (ADCT + PEC
241) para os quais não foi criada para perseguir? Alguns Constitucionalistas já
a dizem inconstitucional – a PEC 241. Será ainda política âncora para outras
que virão, como reforma na previdência, abertura clara para o setor privado
exercer os serviços públicos – pois agora a tal da “eficiência” deverá ser para
valer – e ainda com sucateamento dos servidores públicos e estruturas de Estado.
Se a sociedade brasileira quer isso,
principalmente quem realmente precisa dos serviços públicos, aqueles que vão
atrás das liminares, beleza! É isso! Um povo escolhe seu rumo! Mas para isso é necessária
uma discussão transparente e leal com, aqueles que vão sofrer os efeitos, a sociedade!
Hoje um governo que não aprovou essa medida nas urnas – até porque tomada a
força – não pode votar ela sem conversar ao mínimo seriamente com seu povo. E, dizer
que é ajuste aquilo que é um novo modelo de Estado e, vale repetir, sem
consultar o povo, é legítimo?
Élida Graziane Pinto lembra do personagem Dorian
Gray de Oscar Wilde ao observar sobre o que o ADCT quer parecer:
“Há um sério impasse na tentativa de ocultar
dentro do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias tudo o que a
sociedade brasileira e, em especial, os governos não conseguem pactuar honesta
e estruturalmente no texto permanente da Constituição de 1988.
Parafraseando Oscar Wilde, em sua célebre obra
“O Retrato de Dorian Gray”, o ADCT tem se comportado como uma imagem horrenda e
cínica da nossa realidade, enquanto o texto constitucional permanente segue
formalmente belo e atraente em suas promessas civilizatórias de dignidade da
pessoa humana e direitos fundamentais oponíveis ao Estado.” [3]
O que nos resta? Resta-nos resistir,
conscientizar, mobilizar, ocupar as escolas como estão fazendo numerosos
estudantes, em tom claro de repúdio, primeiramente, à falta de debate do
governo sobre a medida e, segundo, sobre a diminuição, a que está por vir, do exercício
aos direitos universais encampados pela Constituição de 1988. Resta-nos nos
organizar para ocupar os espaços públicos principalmente os espaços onde estão aqueles
que ilegitimamente querem mudar o rumo do Brasil para o passado: o parlamento. O
ódio à política nos trouxe nesse estado de indignação ou frustração.
Ou senão, caberá aos ávidos por despachos beber
bastante água para ter voz e fazer uma bela de uma interpretação teatral das
teses aventadas para as liminares, pois afinal não será mais possível ver
aquilo na realidade. No fim das contas, serão 20 anos de escola teatral
estimulando sempre o criativo; e a realidade? A dura realidade? Essa cabe ao
povo brasileiro que sofrerá as consequências.
Em apoio às ocupações pelo Brasil! Especialmente
pelos lutadores do Instituto Federal de Inconfidentes e da Escola Estadual
David Campista de Poços de Caldas, Minas Gerais!
[1] Aliás, quando tratam de ajuste fiscal, a
mira é sempre sobre o pilar das despesas públicas, mas, parece esquecerem
propositalmente o pilar das receitas públicas. Afinal, os brasileiros pagam
muito impostos?! Quais brasileiros? A classe média e baixa paga mesmo muitos
impostos e a classe alta? E as grandes empresas? Quem paga imposto de renda
realmente no Brasil? Quem mais sonega imposto no Brasil?
[1] Mais sobre a Teoria da Reserva do Possível disponível,
p.ex., em: aqui.
[2] CONTAS À VISTA - ADCT é o "retrato de
Dorian Gray" da Constituição de 1988. Disponível em: aqui.
Fulvio Machado Faria
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